quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Sobre frutas e silicone

O que o consumo de frutas e o silicone têm em comum


O título é meio louco, mas vocês irão entender.
Acho que não é preciso nem me apresentar por aí para as pessoas saberem a minha profissão. A partir do momento em que no ônibus, no parque, na sala de espera, abro minha tigelinha cheia de frutas e começo a comer, as pessoas se viram e me olham como se eu não fosse normal. Vocês acham que isso me deixa constrangida? Muito pelo contrário. Vergonha eu sinto mesmo quando vou fazer compras para mostrar nos vídeos educacionais que faço. É quando encho o carrinho de produtos “ilustrativos” ricos em açúcar, gordura ou sódio: refrigerante, embutidos, pizza congelada, salgadinho, biscoito recheado. Mas engraçado, ninguém fica me olhando como se eu fosse um alienígena, e infelizmente, só eu tenho vergonha disso. O que aconteceu, por que os valores alimentares estão invertidos tão perversamente? Por que parece estranho levar uma fruta dentro da bolsa, e ao mesmo tempo não há nada de mais em tomar uma garrafa de refrigerante com uma coxinha ás 8h da manhã? Já vi essa cena, ao vivo e em cores, só não pedi pra tirar foto, pois estava sem câmera. A pessoa não estava nem um pouco envergonhada desse assassinato explícito ao seu estômago, em plena luz do dia.
É uma luta fazer adolescentes levarem frutas de lanche. Os amigos olham, comentam. É inaceitável! Por que eu tenho que ter vergonha de comer algo que está me nutrindo, me trazendo saúde e vitalidade? Eu deveria me envergonhar por estar destruindo publicamente minhas artérias comendo um lanche de hambúrguer todos os dias na cantina!...
Comecei a refletir sobre isso: será que é porque a fruta tem cheiro, e portanto, chama a atenção das pessoas? Mas, e aquele salgadinho sabor queijo que tem um terrível cheiro de chulé? Este não provocar nenhum estranhamento?...
Será então que o motivo é que, dependendo da fruta, solta água e precisamos de um guardanapo para não nos lambuzarmos? Não, pois se fosse, comer hot-dog soltando maionese pelos lados causaria constrangimento. Por sinal, dá muito mais trabalho, pois ao invés de água há gordura para ficar limpando... Também já vi pessoas comendo macarrão instantâneo dentro do trem. Sabe aquele tipo que vem num copo? Pois é, o macarrão exalava um cheiro bem característico, mas ninguém as olhava como se fossem extraterrestres.
Depois de muito refletir, cheguei a uma conclusão:
As pessoas não comem frutas publicamente pelo mesmo motivo que tantas mulheres estão colocando silicone.
É isso mesmo. Somos uma sociedade massificada em prol do consumo: todos têm que ser iguais, comer a mesma coisa, vestir a mesma coisa; em suma, SER a mesma coisa.
Mesmo que você não tenha nascido com nada do estereótipo moldado, tem que dar um jeito e modificar! Mesmo que você adore frutas, tem quem preferir um salgadinho, afinal é o que todo mundo come, e você é claro, não vai cometer o mico/gafe/vergonha de fazer diferente, mesmo que isso comprometa a sua saúde. Sua saúde pode estar comprometida, mas sua imagem jamais. É assim que a sociedade moderna funciona.


E por que acreditamos que é vergonhoso ser diferente? Por que se todos fossem o que são, não haveria tanto lucro.  Não haveria gastos com silicone, plásticas, academias, remédios. 
E se você ainda não entendeu o que isso tem a ver com alimentação, veja só:
Enquanto você acreditar que refrigerante, macarrão instantâneo e sucos em pó são bons alimentos, e que toda pessoa moderna, poderosa, e bem-sucedida deve consumir; em outras palavras:
...que todo cara que “pega” mulheres “gostosas” toma cerveja;
...que toda mãe exímia enche seus filhos de suco em pó, margarina e suplementos alimentares infantis;
...que pra fazer comida com amor você tem que usar um tempero pronto rico em sódio;
...que pra ser um bom pai e contribuir com o desenvolvimento psicomotor do seu filho é preciso comprar um chocolate que vem com um brinquedo de montar dentro;
...que pra ir à balada sem parecer um “nerd” você tem que tomar energético;
...que para não parecer uma lhama você tem que mascar chiclete;
...que pra se divertir com os amigos você precisa comer hambúrguer...


..enfim, enquanto você acreditar em tudo isso, continuará consumindo muito e ainda com clínicas de estética para tirar a gordura localizada, celulite e estria, com inúmeros cosméticos, academia, plásticas, médicos e fármacos pra você e para os seus filhos. A fórmula perfeita de alimentar o sistema: gastar com comida e depois gastar com tratamento.


É sofrimento constante: te bombardeiam com propagandas maravilhosas de alimentos não nutritivos e calóricos, dando a entender que quem não come aquilo é um otário, ao mesmo tempo em que te mandam ser magérrimo, como se fosse um crime ser o contrário. O círculo é muito bem articulado, nunca se fecha. Resultado: você nunca está feliz, e esta é a intenção. Gente feliz não daria lucro.
Tudo é questão de lucro e de delimitação da hierarquia social. Por que até mais ou menos a década de 50 era bonito ser “gordinha”? Porque a comida por muito tempo foi escassa e cara, e só os ricos tinham condições de se alimentar com abundância. Logo, ser gordo era sinônimo de ser rico. Assim como ser bronzeado era sinônimo de trabalhar na roça, por isso era feio. Ter perna da cor de palmito significava que você era da realeza e não precisava trabalhar embaixo de sol. Ser magro se tornou bonito quando a abundância de comida chegou à maior parte da população e ficou difícil se manter esbelto, e é claro, quando as academias surgiram e começaram a dar lucro. Ser bronzeado se tornou bonito quando a plebe deixou a roça e foi para as fábricas em meados da Revolução Industrial, e a partir de então, só quem ficava bronzeado eram os ricos que tinham dinheiro para o lazer aos finais de semana, e não precisavam ficar trancafiados numa fábrica para ter dinheiro.
E quando será que as pessoas passaram a ter vergonha de comer frutas em público? 


No momento em que a indústria alimentícia começou a lucrar com seus produtos, quando a comida industrializada surgiu e se pode cobrar mais por ela que por comida de verdade. A partir daí as propagandas inverteram o sentido do que significa alimento e convenceram você. Quanto custa 1 dúzia de banana, que te alimenta a semana toda? Menos que um único pote de macarrão instantâneo do pessoal do trem. E a banana não eleva o risco de você ter doenças cardiovasculares e gerar gastos com saúde no futuro, pelo contrário, seu teor de potássio e magnésio previne e mantém a saúde.
É por isso que eu tenho orgulho sim de não ter silicone e mesmo assim usar decote, da mesma forma que me orgulho de tirar minhas frutas, minhas fatias de cenoura e sementes de abóbora da bolsa ao final da tarde no meu trabalho, ou em qualquer outro lugar. Esta é minha forma de manter a saúde, acima de qualquer imagem pré-fabricada que me reduz. Esta é a minha forma de dizer a todos que eu não sou marionete desse sistema perverso, e que o meu bem-estar fica acima de tudo isso.
Pegue a sua carta de alforria também, cuide da sua saúde, ela é seu maior bem, não permita que a tirem.  




8 comentários:

  1. Oi Andréia, td bem? Cheguei agora por aqui..depois que vc me mandou o email, avisando da criação do blog. E de cara, já parei neste post porque me identifiquei demais com ele! Tb sou assim, pra onde vou, carrego meu potinho com frutas variadas pela manhã, entre o café e o almoço. Td mundo tb me olha com cara de E.T. mas eu nem ligo. Meus pais que já sabem: se estou em algum médico ou exame com eles pela manhã, eles já falam logo: não trouxe sua frutinha não? Ha Ha Ha! Bjos!!

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  2. Excelente , de primeira este post, Andréia !
    Hoje estou conhecendo seu blog e estou encantada
    Parabénsss

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  3. kkkkkkkkk perfeito, perfeito... me lembrei de uma velha frase de muitas mães que ouviram de suas mães, menino não coma bebendo aguá que faz mau.kkkk escutei muitas vezes isso de minha mãe de minhas tias e das avós, mas o mais hilario é que em um belo dia sair com uma de minhas tias que já havia me dito a mesma coisa, quando derrepente ela pede um salgado e um refrigerante para cada um de nós, então indaguei: mas tia não faz mau comer e beber líquidos. e ela responde: mas não estamos em casa. foi impactante, mas adotei os mesmos hábitos.

    Muitos anos depois me libertei desses hábitos, mas percebo que é cultura geral, uma linguagem geral que independe de status social. É só observarmos nas lanchonetes nos restaurantes ou em qualquer lugar que venda "comida"

    um forte abraço
    tenha um ótimo dia, todos os dias:- ))

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  4. É isso aí Ana, vamos cuidar da nossa saúde em 1° lugar! As pessoas olham mesmo, né?! Banana pra elas, kkk...

    Beijo!

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  5. Muito obrigada professora Marisa! Uma parte da minha inspiração veio justamente do curso de magistério que cursei até o segundo ano. Não segui esta carreira mas aprendi e admiro muito a profissão!

    Mais uma vez agradeço o comentário!

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  6. Ótimo relato Adenes, obrigada! Você entendeu bem a mensagem que quis passar! Grande abraço e muita saúde!

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  7. Amei o texto, todo mundo deveria ler, por que é uma verdadeira lavagem cerebral o que fazem e as pessoas nem percebem.

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